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Capítulo 1

Beatrice
     - Esses filmes de amor são um lixo. – Ouço Gabriel da cozinha.
     Meu melhor amigo está com os pés – tamanho 43 – sobre a mesinha de centro da minha mãe, esparramado no sofá de couro branco da sala.
     Temos um esquema: uma noite assistimos aos seus filmes de briga, guerra, sangue espirrando de cabeças decapitadas, ou qualquer outro filme que ele queira ver – e não posso negar, adoro esse tipo de filme, principal-mente os atores gatos de Hollywood; sem roupa então, nossa.
Mas o próximo dia é meu, e estou passando por uma fase um tanto... Romântica.
Eu sei, eu sei, super vergonhoso. Se alguém descobrisse, arruinaria totalmente minha reputação, que levei anos de suor e sangue para construir, literalmente, segundo o Peter – ele sempre foi um tanto exagerado.
Agora, se eu não puder confiar no meu melhor amigo, em quem mais confiaria?
Hoje, por exemplo, estamos vendo “Três vezes amor” na televisão de plasma com home theater dos meus pais. É por isso que Gabe vem para cá, gosto de pensar, ao invés da comida de graça. Que é o que estou pegando na cozinha.
Tiro o pacote fumegante do microondas assim que ele apita e volto para o sofá, apoiando os pés ao lado dos de Gabe e a pipoca em seu colo. Sem perder tempo, ele mete logo a mão – enorme – e abocanha os floquinhos brancos, me lembrando muito um leão devorando coelhinhos fofinhos no Discovery Chanel.
- Pega leve, assim você vai ter um infarto antes dos vinte. – Também pesco um pouco de pipoca, com mais classe do que ele.
- Hum... – Espero Gabe engolir. – Esse cara é um banana. Se ele ama aquela garota, por que não corre atrás dela de uma vez? Para quê tanta enrrolação?
Quase me engasgo. Putz, ele não entendeu nada. Está emburrado assim porque quer voltar para os tiroteios e modelos de shortinho.
- Essa é a história, Gabe – Explico. – Sem isso, o filme perderia toda a graça.
- Tanto faz. – Ele bufa e apóia o cotovelo no braço do sofá e o queixo na mão, sem parar de devorar a pipoca. – Mas eles deveriam pelo menos lutar, e não esperar que a solução despenque do céu. – Comenta de boca cheia.
- Ah, e você é um especialista nesse assunto. É por isso que estamos aqui, quinta-feira à noite, matando o tempo no meu sofá. - Ao invés de, como o resto dos adolescentes do mundo, numa balada 'pesquisando' os diversos sabores de gloss.
Ele enche a mão de pipoca e joga em mim. Quando eu revido, a guerra começa.
- Eu não vou limpar isso. – Peter passou pela gente uma vez, mal tirando a atenção de suas tarefas de nerd.
Como se eu já não soubesse.
Peter é meu irmão gêmeo. Isso ai, dividimos o útero, os pais, a casa, os brinquedos - eu preferia os dele, para encenar de acidente com minhas bonecas. Não sei por que mamãe se irritava quando eu arrancava as cabeças delas. Nenhum acidente está completo sem desmembramentos, não estou certa? - e até os amigos. Nunca soube, nem vou saber o que é ser filha única, tendo atenção total dos pais. Mas admito, e que Peter jamais fique sabendo, eu não sou capaz de imaginar uma vida sem ele.
Mesmo que a vida com ele seja dureza. Já tentou ser a irmã mais nova do maior nerd da escola, com todo mundo dizendo: "Bea, siga o exemplo do seu irmão", ou "Peter é um amor; porque voce não tenta ser mais parecida com ele?"
Bom, eu vou dizer por quê: Peter é o maior chato. Acredita que ele nunca ficou com garota nenhuma? Ele diz que é errado explorar outro ser humano desse jeito.
Fala sério, é ou não pura idiotice?
Então Gabe e eu estamos ajoelhados no chão, catando as migalhas da nossa noitada, quando a voz da Beyoncé sai do meu celular. O toque que identifica as chamada do meu querido – e preferencialmente morto e enterrado – ex.
- Desliga. – É o aviso de Gabe, mas ele sabe que eu não posso. Devia ter trocado de chip. Melhor, de aparelho, assim eu nunca mais teria que falar com esse idiota.
- Oi Beni. – Saúdo com a voz menos amigável que consigo.
- Gata, que bom falar com você. – Isso é uma ironia? Foi ele quem ligou para o meu celular, semanas depois de terminarmos, e ainda me trata como se fosse eu a desesperada para falar com ele?
O que eu não fiz, nem uma vez sequer, desde que o peguei trocando saliva – do jeito mais nojento possível – com outra garota no vestiário.
E não acredito que briguei com os meus amigos por causa dele. Ainda fui obrigada a aturar os ‘eu te disse’s:
- Eu te disse que se envolver com o inimigo era péssima idéia. – Gabe disse logo que contei o que o Beni tinha feito.
Benjamin apareceu no torneio de Kung Fu ano passado, numa das escolas rivais.
Fiquei completamente derretida pelo seu cabelo loiro e desorganizado, os olhos azuis lindos de morrer e aquele sorriso. Acho que foi o que mais me atraiu nele, o sorriso de covinhas e dentes perfeitos a mostra.
Como ele morava em outra cidade, só começamos a namorar um bom tempo depois, e foi muito bom. Os beijos dele me deixavam sem ar e eu adorava passar as mãos pelos fios macios do seu cabelo.
Não transamos – ainda bem – mas fizemos outras coisas. Tenho um pouco de vergonha em confessar que minha boca não é mais virgem desde que o conheci, em nenhum sentido.
- O que você quer? – Fecho os olhos para a cara de reprovação do Gabriel.
- Só desejar os parabéns. Pelo que me lembro, seu aniversário é amanhã.
- Desembucha logo, que merda você quer? Se for um convite para a minha festa, pode esquecer.
- Não, boneca. – Posso ouvir seu riso por conta da minha raiva. – Quero te avisar sobre o interestadual no meio do amo. Provavelmente você terá que lutar contra a minha Stephany, mas eu apostei em você, amor. Ela tem um rosto lindo, e um espaço vazio enorme na cabeça. Meu tipo perfeito. – E ri.
Ah, essa é boa. Se houver alguma justiça nesse mundo, por favor, não faça com que ela seja minha adversária!
- Droga, você me deixou em dúvida. Não sei mais se quero mesmo ganhar.
Ele suspira contra o fone.
- Sempre a minha Bea. Eu sei, e você também sabe que não vai perder. Você detesta até empatar, não é docinho?
Seguro uma resposta ácida e posso ver seu sorriso vitorioso.
- Sabe por que terminamos?
- Ah, Beni, eu não sei. Será que foi porque eu te peguei agarrando uma vadia?
- Porque você é fria, Beatrice. – Sua voz perde toda a animação. – Parece mais um garoto. Beijar você me dava nojo.
Engulo com esforço a raiva assassina que sobe pela minha garganta. Peter me segurou quando descobri a traição de Beni, ele estava lá. E tem razão; não vale a pena.
Talvez.
- Beni, querido, na próxima vez que você cruzar o meu caminho, eu vou chutar tão forte no meio das suas pernas, que você vai mudar de sexo! – E desligo na cara dele.
Largo o celular no sofá e escorrego até o tapete felpudo, exausta. Sinto Gabe se aproximar de mim, envolvendo meus ombros com seu braço enorme.
Gabriel sempre foi grande. Deve ser genético, pois o pai dele é um ex-halterofilista, que abriu uma locadora aqui perto – por isso conseguimos DVDs de graça.
Na segunda série, pensei que ele tivesse repetido pelo menos uns cinco anos. Ele era o garoto novo de cara emburrada que teve a infelicidade de sentar na carteira do lado da minha. E pior, se mudou para a casa grudada na nossa – o que dura até hoje, aliás.
Não fui com a cara dele; reconheci um rival, alguém que poderia roubar minha fama de briguenta.
Na saída para o recreio, não pensei duas vezes e botei o pé no caminho dele, que acabou de cara no chão.
Depois, ele me perseguiu até o pátio. Um círculo de crianças se formou ao nosso redor, torcendo por uma boa briga – e eu dou ótimos espetáculos. – Porém, nos encaramos por tanto tempo que no final caímos na gargalhada.
No dia seguinte éramos amigos de infância, brincando de piratas com espadas imaginárias no meio da sala de aula.
- Você tem que esquecer esse cafajeste. Fazer a fila andar, saca?
Viro para que ele veja a minha expressão de ‘por que não pensei nisso antes?’
- Com você?
Ele nega com a cabeça, sacudindo os cachos negros de leve.
- Amanda me mataria.
Esse é outro problema, Amanda. Afro-descendente, no top 10 do colégio – segundo Daniel – e praticamente se jogou em cima de Gabe, aquela vaca. Assim que começaram a namorar, essa psicopata dirigiu todo seu ciúmes doentio para mim. Não tirava os olhos de nós dois; interrompia nossas conversas; passou a nos seguir e, inclusive, a esperar as aulas de Kung Fu terminarem – toda segunda, quarta, sexta e sábado, das quatro às cinco e meia. Suicídio, eu sei.
O golpe final aconteceu quando ela fez a pergunta clássica: ‘Ou ela, ou eu.’
Agora estão dando um tempo.
Gabe e eu sobramos no grupo. Peter e seus estudos intermináveis – o que é um desperdício; quem precisa estudar feito um condenado para ser só jornalista? –; Daniel brincando de médico em alguma balada por ai; e Eric com seu amor platônico por uma modelo de revista – ele tem uma parede abarrotada de fotos dela, e nem todas são nuas. Não sei o que é mais estranho.
     Somos dois recém-solteiros, sem nada melhor para fazer além de comer pipoca amanteigada e revezar o DVD player.
- Chocolate quente? – Pergunta a chocólatra da casa.
- Demorô.


Leonardo
Reclino-me contra as costas da cadeira acol-choada que cabe ao ‘chefe’, afrouxando o nó da gravada.
Procuro não pensar em nada, inutilmente.

Essa é a terceira vez na semana que trabalho além do expediente, não por estar sobrando trabalho, e sim faltando. Sinto calafrios ao lembrar as paredes frias e vazias do apartamento, que me sufocam mais do que a redação em sua hora de maior movimento. A simples idéia de ficar preso naquela casa vazia causa um mal-estar na boca do meu estomago. Já provei muito da solidão para querer fugir dela a qualquer custo.
Barbara tem apanhado muitos plantões ultima-mente.
Conhecemos-nos através de amigos em comum. Seus olhos de um castanho extremamente claro e lábios carnudos, emoldurados por cabelos loiros e lisos me atraíram de imediato. As curvas deliciosas me prenderam naquela mesma noite, no meu apartamento, na minha cama.
Deixo a mente vagar até o bolso do casaco, onde o solitário de diamantes repousa em sua pequena caixa de veludo.
Depois de seis anos de namoro, tenho certeza de que estou dando o passo certo. Todo relacionamento deve evoluir, ou ele termina. Além disso, um pouco de agito romperá com a rotina entediante dos últimos tempos.
Tenho certeza de que Barbara será uma ótima esposa, e mãe algum dia. Exatamente do que eu preciso, uma família, segundo minha adorável mãe.
 As reminiscências de nossa última conversa plantam um sorriso em meu rosto. O que a dona Theresa mais deseja são netos para paparicar, porém a vida lhe foi desfavorável. Três filhos crescidos e nenhum parece disposto a se encostar. Exceto por mim, é claro, corrijo as pressas.
- Ainda aqui? – Adam irrompe pela minha sala sem preâmbulos, e senta-se despreocupado com uma perna apoiada sobre o outro joelho. – Você é o maior viciado em trabalho que eu já conheci, irmão.
- E você só pensa em mulheres e gastar dinheiro. – Retruco de mal humor.
Adam, vinte e oito anos, meu irmão mais novo. Cada jantar em família ele apresenta uma namorada diferente. Na verdade, ele troca tão rápido de mulher que eu não estou certo de que posso chamá-las de namoradas. Nossa mãe a muito desistiu dele para realizar seu sonho de se transformar em avó. A não ser que o eterno playboy na minha frente engravide alguém por engano. Improvável, pois essa é a única área na qual ele é minimamente responsável.
- Ei irmão, vai com calma. Estou apenas tentando ser amigável. – Ele estica o braço despreocupado, até o porta-retratos que repousa sobre a mesa. – Você e Barbara parecem definitivamente um casal aqui. Então, estava pensando em que?
Inclino-me e arranco o porta-retratos das mãos dele, devolvendo-o ao seu lugar.
- Vou pedí-la em casamento.
- Já? Você ainda é novo, deveria aproveitar mais a vida.
- Não, você é que deveria aproveitar menos.
Ele balança a cabeça, fingindo desolação.
- Tão desesperado para prender a coleira... Irmãozão, você tem quase quarenta, tem mais é que provar, se divertir, cheirar cada flor-
- Cheirar cada flor? – Repito, sem acreditar que ele está usando uma catacrese tão ridícula. – E que história é essa de coleira? Não é desse jeito.
- Certeza? – Ele levanta as sobrancelhas sugesti-vamente.
- Absoluta. Agora saia da minha sala, eu tenho trabalho a fazer. – Desconsidero suas provocações simulando estar ocupado com alguns papéis, até que ele finamente se vai.
Cheirar cada flor. É cada uma que aparece...

 
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